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21.06.2012

Inconstitucionalidade da multa prevista para o não reconhecimento de crédito pela Receita Federal do Brasil

Com o advento da Lei 12.249, publicada em 14 de junho de 2010, os contribuintes foram severamente desestimulados a pleitear a restituição de seus créditos. Isso porque, o art. 62 da referida Lei alterou a redação do art. 74 da Lei 9.430/1996, acrescendo a ele os parágrafos 15 e 17, nos quais há expressa previsão de que para os pedidos de ressarcimento indeferidos ou indevidos, bem como nos casos de declarações de compensação não homologadas, será imputada multa isolada no percentual de 50% sobre o valor do crédito não ressarcido e/ou compensado.

Em síntese, a referida Lei autorizou a Receita Federal a aplicar uma multa isolada, no percentual de 50%, sobre o valor dos créditos que os contribuintes pretendem obter a restituição ou compensar com outros tributos administrados pela RFB quando esses forem indeferidos.

Antes da edição da Lei 12.249/10, caso fosse indeferido o pedido de restituição, se o contribuinte não tivesse feito nenhuma compensação, ele seria notificado da decisão que não reconheceu o direito de crédito para apresentar defesa, sem a imputação de qualquer penalidade. Ainda, caso tivesse realizado alguma compensação, a glosa decorrente da compensação não estaria sujeita a nenhuma penalidade especifica, em regra, mas apenas a multa de mora pelo não recolhimento do tributo, no caso, no percentual de 20%. Portanto, a multa isolada era somente nos casos de compensação mediante fraude, quando ficava caracterizada a má-fé do contribuinte.

A Lei instituidora dessas penalidades é resultado da conversão da Medida Provisória nº 472, que em sua exposição de motivos já deixava clara a intenção do legislador, qual seja, desestimular os contribuintes a pleitear a restituição/compensação de possíveis créditos, senão veja-se:

32. O art. 27 altera a redação do caput e do § 2º do art. 18 da Lei nº 10.833, de 2003, visando aperfeiçoar a imposição de penalidades na compensação. Atualmente é aplicada apenas a multa de mora na hipótese de compensação indevida, pelo fato de o débito declarado na Declaração de Compensação constituir confissão de dívida, de forma que, não raro, esse fato tem servido para que alguns contribuintes se utilizem de créditos inexistentes como forma de obter certidão negativa ou para não pagar o crédito tributário, contando com a homologação da compensação pelo decurso de prazo. (...)

Portanto, o objetivo da Lei em comento não é outro senão frear a grande quantidade de pedidos de ressarcimento/compensação, o que , diante da talvez insuficiente estrutura da Receita Federal do Brasil frente à demanda, acabava, por vez, beneficiando alguns contribuintes que, de má-fé, postergavam o adimplemento dos tributos com pedidos de compensação sem a existência de créditos suficientes.

Ocorre que a aplicação de tais multas acaba por coibir o pleno exercício de direito dos contribuintes de boa-fé, que pleiteiam o reconhecimento de seus direitos creditórios perante a fazenda pública, em clara afronta a uma série de princípios constitucionais.

A Constituição Federal traz, em seus diversos dispositivos, direitos e garantias fundamentais, visando impedir o legislador de criar sanções tidas como políticas, as quais, de forma desarrazoada e desproporcional, constrangem os contribuintes a agirem da forma pretendida, desrespeitando direitos conferidos pela Constituição.

No entanto, o legislador ordinário, por diversas vezes, acaba editando leis que extrapolam suas respectivas competências, limitando as garantias constitucionais. As sanções políticas são, portanto, essas normas, que se caracterizam como meios transversos pelos quais o Estado exerce poder de coerção perante seus jurisdicionados, com o objetivo de impor um padrão de comportamento.

O Supremo Tribunal Federal há tempos possui posicionamento firme com relação à inconstitucionalidade das ditas sanções políticas, eis que essas normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, a adotar determinadas condutas violam expressamente direitos garantidos constitucionalmente.

A norma em tela não é socorrida por melhor sorte, sendo outro típico caso de sanção política, eis que as multas instituídas pelo artigo 62 da Lei 12.249/10 violam, literalmente, direitos fundamentais dos contribuintes, tendo em vista que, de forma desproporcional, coagem o contribuinte de boa-fé, impondo penalidade ao livre exercício do direito de petição, de que trata o artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal, violando, consequentemente, o devido processo legal, manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo, no caso à Receita Federal.

O direito de petição é a garantia constitucional que assegura a qualquer cidadão posicionar-se em defesa de seu direito, reivindicando esse junto ao Poder Público, sem que, para isso, lhe seja imputada qualquer penalidade.

Não bastando isso, ao determinar a multa no percentual de 50% sobre o total do crédito  se busca a restituição/compensação, patamar totalmente abusivo, a nova legislação acabou não só por alterar a finalidade da instituição da penalidade – que deveria ser a punição pela conduta abusiva por parte do contribuinte – mas também resultou em afronta ao princípio do não confisco, previsto no art., 150, IV, da Carta Constitucional.

Diante de tantas inconstitucionalidades, o Poder Judiciário vem afastando a aplicação do disposto nos §§ 15 e 17, afastando a Multa Isolada nesses casos em que não há má-fé do contribuinte. Assim, é possível ingressar com medida judicial visando afastar, preventivamente, a aplicação de tais dispositivos em caso de indeferimento de pedido de restituição/compensação de créditos junto à Receita Federal.

Gustavo Neves Rocha