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14.07.2025

STF conclui julgamento (in)constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet Conclusão: Parcialmente Inconstitucional

Após meses em julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento sobre a inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI). O referido artigo, em suma, dispõe que provedores de aplicação de internet somente poderão ser responsabilizados civilmente pelo conteúdo veiculado quando, após decisão judicial que determina a remoção, for mantido o conteúdo objeto da referida decisão, ou seja, só haverá responsabilidade diante de descumprimento de decisão judicial.

Contudo, com o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1037396 (Tema 987 da repercussão geral), relatado pelo ministro Dias Toffoli, e no RE 1057258 (Temas 533), relatado pelo ministro Luiz Fux, surgiu a comoção nacional e a preocupação de que a interpretação diferente daquela versada no artigo 19 do MCI acabe em restrições à liberdade de expressão.

Não raras vezes é possível verificar que, mesmo na plena vigência do artigo 19 do MCI, plataformas de redes sociais já exercem seu papel de curadoria e frequentemente removem conteúdos e páginas sem observar o devido processo legal, e, até mesmo a necessária transparência sobre essas decisões. Agora, com a diferente interpretação do artigo 19 é esperado que as restrições se intensifiquem.

A tese da repercussão geral do julgamento feito pelo STF será interpretada da seguinte forma:

                                 “2. Enquanto não sobrevier nova legislação, o art. 19 do MCI deve ser interpretado de forma que os                                                       provedores de aplicação de internet estão sujeitos à responsabilização civil, ressalvada a                                                                           aplicação das disposições específicas da legislação eleitoral e os atos normativos                                                                                         expedidos pelo TSE.

                                 3. O provedor de aplicações de internet será responsabilizado civilmente, nos termos do art. 21 do MCI,                                               pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros em casos de crime ou atos ilícitos,                                                             sem prejuízo do dever de remoção do conteúdo. Aplica-se a mesma regra nos casos                                                                                 de contas denunciadas como inautênticas.

                                 3.1. Nas hipóteses de crime contra a honra aplica-se o art. 19 do MCI, sem prejuízo da possibilidade de                                                 remoção por notificação extrajudicial.

                                 3.2. Em se tratando de sucessivas replicações do fato ofensivo já reconhecido por decisão judicial, todos                                               os provedores de redes sociais deverão remover as publicações com idênticos conteúdos,                                                                       independentemente de novas decisões judiciais, a partir de notificação judicial ou                                                                                       extrajudicial.”

A partir de agora, a regra geral é que as empresas precisam remover conteúdos ilícitos assim que forem notificadas pela pessoa ofendida, mesmo sem decisão judicial. Se não atenderem à notificação, poderão ser responsabilizadas e terão que indenizar por eventuais danos sofridos. Anteriormente, essa responsabilidade só existia quando a empresa desrespeitava uma ordem judicial de remoção.

Existem duas importantes considerações sobre a extensão da atuação do judiciário diante desse julgamento:

1ª) Embora os ministros refiram não atuarem de forma a legislar, na prática é o que ocorre, e está refletido em trechos que os julgadores referem: “Enquanto não sobrevier nova legislação, o art. 19 do MCI deve ser interpretado de forma que (...)”, e, “apela-se ao Congresso Nacional para que seja elaborada legislação capaz de sanar as deficiências do atual regime quanto à proteção de direitos fundamentais”;

 2ª) O Poder Judiciário é o verdadeiro guardião dos direitos civis.  Ao exigir que as plataformas façam esse papel, o próprio Poder Judiciário está transferindo essa responsabilidade para empresas privadas que não têm autoridade ou competência para isso.

Chama a atenção a disposição sobre o entendimento do dever de cuidado e responsabilização de plataformas quando diante de conteúdos massivos que versarem sobre os seguintes assuntos:

                                 “a. Condutas e atos antidemocráticos;

                                 b. Crimes de terrorismo ou preparatórios de terrorismo;

                                 c. Crimes de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação;

                                 d. Incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou                                               identidade de gênero;

                                 e. Condutas homofóbicas e transfóbicas;

                                 f. Crimes praticados contra a mulher em razão da condição do sexo feminino, inclusive conteúdos que                                                 propagam ódio às mulheres;

                                 g. Crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e                                                       adolescentes;

                                 h. Tráfico de pessoas;”

Contudo, permanecerá de maneira inalterada a aplicação do artigo 19 do MCI para “o (a) provedor de serviços de e-mail; (b) provedor de aplicações cuja finalidade primordial seja a realização de reuniões fechadas por vídeo ou voz (ex.: Google Meet, Zoom); (c) provedor de serviços de mensageria instantânea, como o WhatsApp (também chamadas de provedores de serviços de mensageria privada), exclusivamente no que diz respeito às comunicações interpessoais, resguardadas pelo sigilo das comunicações (art. 5º, inciso XII, da CF/88).

O julgamento também enaltece o dever de autorregulação de provedores de aplicação de internet, estabelecendo deveres através de regramento judicial, o que deverá se dar com, ao menos, notificações, devido processo e relatórios anuais de transparência.

Na prática não haverá responsabilidade objetiva na aplicação da tese aqui enunciada. A responsabilidade das empresas será de natureza subjetiva, ou seja, será necessário demonstrar que houve culpa ou intenção por parte da big tech para que ela tenha que indenizar por danos causados.

No entanto, presume-se a responsabilidade dos provedores quando os conteúdos criminosos forem divulgados por meio de anúncios pagos, impulsionamentos ou por meio de redes artificiais de disseminação, como robôs ou chatbots.

Não o bastasse a miscelânia trazida pelo julgamento referido, este também especifica como o artigo 19 deve ser interpretado em contextos diferentes:

a)             Crimes contra a honra: continua a exigência de ordem judicial, porém fica admitida remoção por notificação extrajudicial;

b)             Repetição de conteúdo ofensivo já declarado ilícito por decisão judicial: plataformas devem remover novas postagens idênticas sem necessidade de nova ordem judicial, desde que notificadas;

c)             Provedores de e-mail, reuniões privadas e mensageria pessoal (ex.: WhatsApp): continuam protegidos pelo texto original do artigo 19, por envolverem comunicações privadas protegidas constitucionalmente;

d)             Marketplaces: responderão conforme regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Outra questão curiosa do julgamento é que embora tenha sido definido pela obrigação das plataformas e redes sociais auto regularem os conteúdos, assim como a possibilidade de responsabilização das empresas pelos danos causados, o usuário que tiver o seu conteúdo removido por força de notificação encaminhada por terceiro ao provedor de aplicação, não terá direito à reparação, como salientou o ministro Dias Toffoli durante a leitura do seu voto.

Tal decisão traz incertezas jurídicas e, de certa forma, atribui competências jurisdicional principalmente às big techs que, ao que tudo indica, adotarão postura de contenção de danos afunilando a criticidade da sua moderação de conteúdo sob pena de responderem por conteúdo publicado por seus usuários. Quem perde, ao fim, é o usuário que pode ter seu direito à liberdade de expressão cerceado sem o devido processo legal.

Gustavo Tonet Fagundes

Advogado ZNA