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07.07.2025

Da Teoria à Realidade: Reconfiguração dos Contratos Empresariais após a Tragédia no RS

Completado pouco mais de um ano desde a catástrofe climática que assolou o estado do Rio Grande do Sul em 2024, os efeitos jurídicos ainda reverberam nas mais diversas esferas. O episódio, que afetou severamente estruturas físicas, logísticas e produtivas, trouxe à tona debates relevantes sobre a aplicação das figuras da força maior e do caso fortuito nas relações contratuais, especialmente diante da crescente frequência de eventos extremos que comprometem a previsibilidade dos negócios.

Nos termos do artigo 393 do Código Civil, a força maior e o caso fortuito são eventos inevitáveis e imprevisíveis que exoneram o devedor do cumprimento da obrigação, desde que não haja culpa pelo inadimplemento. A doutrina distingue o caso fortuito como um evento interno, relacionado à própria atividade da parte, enquanto a força maior está ligada a fatores externos, como desastres naturais, greves ou atos estatais. Ambos os institutos, no entanto, podem afastar a responsabilidade civil, desde que comprovado o nexo de causalidade entre o fato e o inadimplemento.

As consequências jurídicas do reconhecimento desses eventos variam conforme a natureza do contrato. Em contratos empresariais, observa-se a necessidade de revisão de cláusulas de fornecimento, logística e execução, muitas vezes com suspensão ou resolução dos vínculos contratuais. Já nos contratos de consumo, a impossibilidade de cumprimento pode afastar a responsabilização, desde que respeitados os deveres de boa-fé e transparência. Em locações, a perda da utilidade do imóvel pode ensejar redução proporcional do aluguel ou até a resolução do contrato, com base na teoria da onerosidade excessiva.

Ainda que não haja cláusula expressa, o ordenamento jurídico brasileiro permite a aplicação da força maior com base nos princípios da boa-fé, da função social do contrato e na teoria da imprevisão, prevista nos artigos 317 e 478 do Código Civil. No entanto, a experiência recente demonstra a importância de incluir cláusulas específicas, que minimizem incertezas e antecipem os efeitos jurídicos de situações excepcionais.

Mais do que um aprendizado teórico, os acontecimentos de 2024 reforçam a necessidade de uma abordagem contratual preventiva. Empresas e particulares devem revisar periodicamente seus contratos, dando especial atenção à previsão de riscos, mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro, hipóteses de revisão e resolução, além de instrumentos de mediação e renegociação.

As catástrofes climáticas, que outrora figuravam como eventos improváveis, hoje compõem o cenário real de planejamento jurídico. Força maior e caso fortuito deixaram de ser figuras abstratas, tornando-se ferramentas fundamentais para a segurança jurídica e a continuidade das atividades empresariais.

Passado um ano da tragédia no Rio Grande do Sul, a principal lição jurídica que se impõe é clara: mais do que reagir a eventos extremos, é preciso preveni-los contratualmente. A previsibilidade, amparada em cláusulas bem estruturadas e na gestão jurídica estratégica, torna-se elemento-chave para mitigar riscos e assegurar a estabilidade das relações negociais em um contexto cada vez mais desafiador.

Gustavo José Dani

Advogado ZNA