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06.06.2023

O judiciário e as recentes medidas executivas atípicas admitidas

A norma brasileira contempla uma série de medidas que podem ser autorizadas pelo juiz quando o devedor não quita a sua dívida de maneira voluntária. Uma dessas alternativas mais conhecidas é a penhora, que se faz preferencialmente em dinheiro, passando a bens móveis e imóveis, ações e quotas de sociedades, percentual de faturamento (em caso de empresa devedora), podendo chegar a direitos das mais variadas espécies.

Ocorre que, em que pese garantido ao credor poder contar com o empenho do judiciário para buscar a satisfação de seu crédito, também são dadas ao devedor algumas proteções, de modo a evitar que a constrição lhe cause prejuízos exacerbados cujas dimensões afetem irreversivelmente a sua manutenção, e, em caso de pessoa jurídica, as suas atividades.

É o exemplo da impenhorabilidade reservada ao bem de família, cuja aplicação conta com poucas exceções, trazidas em legislação própria. Salários e depósitos em conta corrente ou caderneta de poupança até 40 salários-mínimos também são impenhoráveis, em respeito a previsão expressa no Código de Processo Civil.

No entanto, em abril deste ano, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.874.222, decidiu relativizar a impenhorabilidade dada ao salário do devedor nos casos de dívida não alimentar – que é a exceção da proteção. No caso, o ministro relator João Otávio de Noronha, ao admitir a penhora salarial, consignou que ela somente deve ser aplicada "quando restarem inviabilizados outros meios executórios que garantam a efetividade da execução", e desde que "avaliado concretamente o impacto da constrição sobre os rendimentos do executado". A decisão não atribuiu valor mínimo ao salário recebido, apenas ressaltou que deve ser reservado o necessário para garantir a dignidade do devedor e sua família.

Contemporâneo à decisão acima, o Tribunal de Justiça de São Paulo, no Agravo de Instrumento nº 2302335-16.2022.8.26.0000, decidiu pela validade de bloqueio em conta corrente de valor menor do que 40 salários-mínimos. Na fundamentação, o desembargador relator Antônio Benedito do Nascimento foi claro que, ao constar que, não existindo outros bens passíveis de constrição, é possível a manutenção da penhora, uma vez que a execução se processa em favor do credor.

Também recente é o entendimento do Supremo Tribunal Federal que entendeu possível a apreensão de CNH e passaporte de devedor, além da sua proibição de participação em licitações e concursos públicos (veja nosso artigo https://zna.adv.br/noticias/2023/03/02/stf-decide-que-e-possivel-a-apreensao-de-cnh-e-de-passaporte-de-inadimplentes/). A decisão, no entanto, em que pese tenha reconhecido a constitucionalidade das medidas, esclareceu que elas deverão ser tomadas diante da análise de cada caso em particular. Essas providências, diferentes da penhora, não satisfazem, por si, o débito, mas buscam constranger aquele devedor que claramente possui recursos e os oculta de modo a obstar o pagamento de sua dívida.

Ao que se vê, os posicionamentos das cortes superiores já estão gerando resultados. Recentemente, em Florianópolis, na Vara de Família e Órfãos de Norte da Ilha, um pai teve a sua CNH suspensa porque não pagou a pensão ao seu filho (Cumprimento de Sentença nº 0310234-87.2016.8.24.0090). Por óbvio que o fato de se tratar de dívida alimentar possibilitou maior flexibilidade na hora de aplicar a medida, uma vez que o direito de família conta com um olhar mais sensível do judiciário – como deve ser.

Fato é que estamos, cada vez mais, vendo medidas atípicas serem consideradas em prol do credor na busca da satisfação do seu crédito. Contudo, como bem fazem questão de frisar os julgadores em suas decisões, cada caso é único e deve ser analisado de maneira exclusiva, levando em consideração os direitos do devedor e as peculiaridades e características das partes envolvidas.

Maiara Oliveira Paloschi

Advogada ZNA