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04.12.2013

A violação positiva do contrato

O artigo 422 do Código Civil impõe aos contratantes que conservem no decorrer de toda a relação contratual o princípio da boa-fé objetiva, motivo pelo qual passou a ser exigida a adoção de uma conduta leal, que o contrato seja visualizado como o início de uma relação de confiança e de cooperação.

Em outras palavras, ambos os contratantes devem visar à conclusão do fim contratual, sem ferir as legítimas expectativas da outra parte. O advento da boa-fé objetiva como guia regulador das relações contratuais, desse modo, não só limitou o atuar dos contratantes, de forma a extirpar condutas desleais e abusivas, como também ampliou as suas obrigações.

Essas obrigações que emanam da boa-fé objetiva são denominadas de “deveres anexos ou secundários”, que passaram a exigir, além da prestação correta, perfeita e adequada da obrigação principal, os deveres de cuidado, de informação, de colaboração e de proteção com a pessoa e o patrimônio do outro.

Assim, além da obrigação principal do tipo contratual (como, por exemplo, na compra e venda: o dever de entregar a coisa e pagar o preço), em razão da boa-fé objetiva, existem essas novas obrigações, cuja inobservância pelo contratante acarreta o inadimplemento denominado de “violação positiva do contrato”.

A violação positiva do contrato não significa que a prestação principal ou uma cláusula contratual não foi cumprida, mas que deixaram de ser observados alguns deveres derivados da boa-fé objetiva.

Ou seja, como consequência do surgimento da boa-fé objetiva, ocorreu um desdobramento das hipóteses de inadimplência contratual. De acordo com as circunstâncias do caso concreto, a violação positiva do contrato poderá permitir a resolução do contrato e/ou a autorização do pleito indenizatório, na hipótese de ser verificado que tal tipo de inadimplência acarretou danos ao outro contratante, dispensando, nesse caso, inclusive, a verificação da existência de culpa.

A título exemplificativo, o Tribunal de Justiça Gaúcho (Apelação nº 70034871970) em demanda ajuizada visando à rescisão contratual de compra de software de gestão empresarial e indenização, cuja contratação também garantia treinamento, instalação e manutenção, reconheceu o direito de rescisão pelo contratante inocente e o dever de ele ser reparado dos prejuízos amargados, por violação ao dever de informação decorrente da boa-fé objetiva, bem como por prestação imperfeita do objeto contratual (assistência técnica inadequada).

No caso, a fornecedora do software não ministrou o treinamento adequado para o manuseio deste pelos funcionários da compradora, motivo pelo qual o programa apresentou problemas durante o funcionamento, não atingindo o objetivo esperado, o que, para o Tribunal de Justiça, acarretou infração ao dever de informação (dever anexo à boa-fé objetiva).

Portanto, a inobservância das obrigações impostas pela boa-fé objetiva como causa de inadimplemento contratual é um importante instrumento de tutela dos interesses do contratante que teve suas legítimas expectativas frustradas pelo outro.

Ainda, é possível afirmar que a ausência de previsão contratual vedando determinada conduta desleal e desonesta não é óbice à busca da defesa dos interesses do contratante inocente, já que pela violação positiva do contrato o ato que afronta a boa-fé objetiva é tido como causa de inadimplemento.

Aline Cristiane Oss