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24.09.2008

A Impossibilidade da Penhora de Juros sobre Capital Próprio para Garantir Execução Fiscal

Em recente artigo, assinado por representante da Procuradoria da Fazenda Nacional, foi defendida a pretensão da Fazenda Nacional de penhora de juros sobre capital próprio a ser distribuídos aos acionistas de companhias por ela executada. Para tanto, após defender frágeis argumentos, conclui sem pejo algum, que tal mecanismo se constitui em um bom instrumento de coação, em especial para as companhias abertas, em verdadeira apologia ao abuso de direito.

Desconsiderados os argumentos coativos, tal pretensão de penhora de juros sobre capital próprio se apresenta inviável fundamentalmente pelas seguintes razões: Os juros sobre capital próprio são de propriedade dos acionistas da companhia, portanto, a pretensão pela sua penhora acaba por recair sobre bens de terceiros; Os juros sobre capital próprio devidos pela companhia a seus acionistas constituem-se em passivo da companhia; A penhora de dinheiro, que a rigor é o que resulta da penhora de juros sobre capital próprio, é medida excepcional.

De plano é de se dizer que na presente análise há que se considerar a vedação à distribuição de dividendos por companhias somente é aplicável a débito não garantido com a União Federal, tal como determina o discutível o artigo 32 da Lei nº 4.357/64. Portanto, não há que se falar sobre proibição de pagamento de juros sobre capital próprio àquela companhia que esteja com seus débitos tributários devidamente garantidos em processo de Execução Fiscal. Em assim sendo, repita-se, havendo a devida garantia dos débitos inexiste qualquer vedação legal ao pagamento dos juros sobre capital próprio ou à distribuição de dividendos.

Voltando à análise da inviabilidade da penhora dos juros sobre capital próprio, para substituir garantia prestada em processo de Execução Fiscal, imprescindível a constatação de que os juros sobre capital próprio devidos por companhia constituem-se em patrimônio dos sócios ou acionistas, na medida em que se tratam, efetivamente, de uma espécie de dividendo.

Isto porque, tratando-se os juros sobre capital próprio uma espécie de dividendo devido pela companhia para seus acionistas, uma vez deliberada a distribuição de tais dividendos passam estes a ser direito dos acionistas.

Ainda, há que se considerar que os juros sobre capital próprio devidos pela companhia, não fosse o fato de se tratarem de bens de terceiros, os acionistas da companhia, tratam-se na realidade de passivo da companhia. Ou seja, uma vez apurado e deliberado o pagamento dos juros sobre capital próprio da companhia, passam estes a ser direito e patrimônio dos acionistas, e a companhia deverá registrar essa obrigação de pagar em seu passivo.

A própria Receita Federal do Brasil, na Instrução Normativa nº 41/98, determina que os juros sobre capital próprio sejam registrados em conta de seu passivo exigível, representando direito de crédito do sócio ou acionista da companhia. Sendo assim, fora de qualquer dúvida que os juros sobre capital próprio devido pela companhia a seus acionistas tratam-se de direto e propriedade do acionista e, em contrapartida, de passivo da companhia.

Não fosse o fato, por si só suficiente, de que os juros sobre capital próprio tratam-se de uma espécie de dividendo, e, portanto, direito e propriedade do acionista da companhia, não se pode olvidar que a companhia, deliberado o pagamento dos juros sobre capital próprio, passa à condição de devedora desses dividendos.

Melhor dizendo, e nos estritos termos da Lei e de Instruções Normativas da Receita Federal do Brasil, os juros sobre capital próprio devidos aos acionistas constituem-se em passivo da companhia.

Sendo assim, não há dúvida de que se torna inviável, sob o ponto de vista legal e contábil, a pretensão de penhorar juros sobre capital próprio após deliberado o seu pagamento, sob pena de ser atingido bens de terceiro e passivo da companhia. Entendimento contrário admitiria a penhora de dívida, o que, com todo o acatamento, constitui-se em verdadeiro absurdo!

Por outras vias, o que se objetiva com a pretensa penhora de juros sobre capital próprio é a substituição da penhora já constituída em processo de Execução Fiscal por dinheiro. Ocorre que, para que seja possível a substituição de penhora de bem móvel ou imóvel por dinheiro, necessária a devida justificação, ainda, que tal substituição constitua-se em medida necessária para garantir a satisfação do crédito. É que a substituição da penhora de bens móveis ou imóveis por dinheiro deve observar critérios da razoabilidade e necessidade.

O Superior Tribunal de Justiça, em inúmeros julgados, estabeleceu que a penhora de dinheiro deve ser devidamente justificada e necessária. Isto se extrai de trecho do voto do Ministro Francisco Falcão do AgRg no Resp nº 331.955/SP, segundo o qual: "Para que ocorra a penhora sobre aplicações financeiras da devedora, é necessário que antes haja diligências, por parte da exeqüente, no sentido de penhorar outros bens pertencentes àquela. Inocorrendo tal conduta, por parte da credora, não se cogita em constrição de valores presentes em conta corrente da executada, tratando-se esta de medida excepcional, exigindo-se, para tanto, justificativa suficiente por parte exeqüente".

Por outro lado, não se presta a afirmação de que a ordem de nomeação de bens à penhora estabelecida pela Lei de Execução Fiscal, a qual prevê o dinheiro como primeiro da ordem, é suficiente para fundar a pretensão de substituição de penhora de bens móveis ou imóveis por dinheiro ou juros sobre o capital próprio, na medida em que tal ordem de nomeação prevista em lei deve ser interpretada com a devida parcimônia, tendo em conta a necessidade e a menor onerosidade para o devedor.

Esse é o entendimento que se extrai do trecho do voto do Desembargador Federal Vilson Darós, no Agravo de Instrumento nº 2007.04.00.024593-3: "Não se pode olvidar que a ordem de nomeação de bens estabelecida no artigo 11 da Lei das Execuções Fiscais não é meramente exemplificativa, devendo ser, em princípio, observada para fins de garantia da execução fiscal. Mas não se pode perder de vista também a necessidade de ser promovida a execução do modo menos oneroso para o devedor (artigo 620, do CPC), embora se reconheça o princípio da disponibilidade do processo de execução, segundo o qual a finalidade do feito executivo é a satisfação do crédito exeqüendo."

Portanto, a pretensão de substituição do bem penhorado por dinheiro, os juros sobre capital próprio dos acionistas, acaso não sejam observados os critérios da razoabilidade e necessidade, não fosse a constatação de que atinge bens de terceiros e passivo da companhia, pode se apresentar como medida abusiva e despropositada.

Por tudo o que até aqui foi dito, pode se concluir que a determinação pela substituição do bem penhorado em execução fiscal por juros sobre capital próprio devidos aos acionistas constitui-se em: penhora de bens de terceiros, na medida em que tais juros sobre capital próprio são de propriedade dos acionistas da companhia e não dela própria; os juros sobre capital próprio devido por companhia a seus acionistas constitui-se em passivo dessa companhia, o que significa dizer que se está por penhorar passivo e não ativo; a substituição da penhora de bens por dinheiro deve ser plenamente justificada; e, a determinação pela substituição da penhora de bens por dinheiro viola o disposto no artigo 620 do CPC, que prevê que a execução deverá se dar pelo modo menos oneroso para o devedor.

Por fim, não se pode perder de vista que, em se tratando de companhia aberta que tem obrigações perante os órgãos que regulam o setor, em especial a CVM, a injustificada determinação pela penhora de juros sobre capital próprio impõe a divulgação de fato relevante, até para justificar o seu não pagamento, sob pena de sanção, e certamente causará não apenas um sério desconforto da companhia perante o mercado, prejuízos financeiros e, ainda, resultados devastadores sobre investimentos e sua imagem, dada a insegurança que tal fato gerará.

João carlos Franzoi Basso