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28.12.2006

A Falta de Adaptação do Contrato Social à Lei Vigente e a Responsabilização do Sócio

Dentre as áreas do Direito que tiveram os seus institutos mais atingidos pelas modificações introduzidas pela Lei nº 10.406/2002 (novo Código Civil), muito provavelmente o Direito Comercial tenha sido o que experimentou o maior número delas. A título de exemplo, basta que se perceba que muitas das figuras jurídicas, que historicamente eram tratadas no âmbito do Direito Comercial, passaram à alçada do próprio Direito Civil, o que, diga-se de passagem, deu-se na esteira do que vem sendo adotado pelas legislações ditas mais avançadas.

Nesse contexto de mudanças, é absolutamente natural que surjam dúvidas acerca de situações que foram reguladas de forma a possibilitar mais de uma interpretação. No campo do Direito de Empresa, uma dessas questões é a que fica melhor colocada na forma de questionamento: quais as conseqüências da falta de adaptação do Contrato Social ao Código Civil vigente?

Para melhor situar o problema, vale lembrar que a Lei nº 10.406/2002, na versão original do seu art. 2.031, conferia o prazo de um ano, a partir da sua vigência (11/01/2003), para que as sociedades adaptassem os seus atos constitutivos à nova ordem legal.

Por razões cujo esclarecimento foge ao objetivo deste texto, sobreveio a Lei nº. 10.838, de 30 de janeiro de 2004, dando nova redação ao referido art. 2.031 e redefinindo o prazo original, fixando-o em dois anos.

Posteriormente, a Lei nº. 11.127, de 28 de junho de 2005, alterou novamente o art. 2.301 do C. Civil, determinando que "As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão se adaptar às disposições deste Código até 11 de janeiro de 2007."

Nada até este momento indicando que se terá nova prorrogação de prazo, aproxima-se, portanto, a data para que as sociedades, o mesmo valendo para associações e fundações, tenham os seus atos constitutivos adaptados ao vigente Código Civil.

Dentre todas as conseqüências que podem advir da divergência entre o molde legal e o que consta do Contrato Social, a que mais vem rendendo discussões é a possibilidade de que sociedade seja havida como irregular, classificando-se como Sociedade em Comum e passando o sócio a responder solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais.

Oportuno registrar que, em vista de que hoje o prazo concedido pela lei para adaptação ainda não se esgotou (Lei nº. 11.127/05), não se tem conhecimento de decisões judiciais que tenham definido a questão, razão pela qual a resposta ao questionamento antes proposto deve ser buscada na doutrina.

Em termos bastante objetivos, pode-se afirmar que parte dos estudiosos entende não haver conseqüências que possam ser carregadas à falta de adaptação do Contrato Social, sob duas alegações fundamentais. Uma, de que o art. 2.031 simplesmente não prevê nenhuma punição, até mesmo porque o Direito Comercial, ainda que parte dele agora tenha sido positivado em um diploma civil, é marcadamente - e apenas - regulador, e não sancionatório, não havendo, em conseqüência, que se falar em reprimenda quando a própria lei não a menciona. Outra, de que a contratação, tendo observado o regramento legal vigente à época (Decreto nº. 3.708/19, no caso das então chamadas sociedades por quotas de responsabilidade limitada), constitui típico exemplo de ato jurídico perfeito, protegido, pois, por disciplina constitucional (art. 5º, XXXVI).

Na outra ponta encontram-se aqueles que entendem que, à falta de adequação do Contrato Social, passaria a sociedade a ser havida como irregular e regida pelo que o diploma civil define como Sociedade em Comum. O principal resultado desse entendimento, a par de outros tantos, que não são tratados neste texto, sem nenhuma dúvida é de que os sócios passariam a responder ilimitada e solidariamente (sem o benefício de ordem do art. 1.024) pelas obrigações assumidas pela sociedade. Adianta-se que, até este momento, esse é o posicionamento que, ao que tudo indica, será o definitivamente adotado pela Junta Comercial do Estado de São Paulo - JUCESP, órgão que, embora não tenha poder ou função jurisdicional, sem dúvida merece consideração.

Convém salientar que a possibilidade, de que o sócio possa responder ilimitada e solidariamente pela dívida social, deveria justificar a preocupação de todo o integrante de uma sociedade que pudesse vir a ser categorizada como irregular, visto que, dessa forma, não poderia ser alegado, em defesa do sócio pessoalmente demandado, a limitação da responsabilidade prevista no contrato social, aliada à circunstância de que a responsabilidade desse sócio passaria a ser solidária, prevista pelo art. 275 do C. Civil da seguinte forma: "O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto".

Motivo de ainda maior preocupação é que, classificando-se a sociedade como irregular, é conseqüência desse entendimento, que se viu vem se delineando, a aplicação do art. 990, que impossibilita quem contratou, pela sociedade, de alegar, em defesa, o benefício de ordem, que por sua vez consiste em garantia de que a efetivação do débito recaia inicialmente sobre os bens da sociedade para que, constatada insuficiência, a execução possa atingir bens particulares dos sócios

Vingando a segunda linha de entendimento, o sócio de uma sociedade que não adaptar os seus atos constitutivos à nova disciplina legal corre o risco - concreto - de se ver tendo que dar conta, pessoalmente, sem limitação e sem possibilidade de antepor os bens sociais, de obrigação da própria sociedade.

Por oportuno, ressalte-se que, se a adaptação for manejada depois de 11/01/2007, o regramento a ser observado para a própria alteração contratual já não será mais o da lei anterior, mas aqueles do próprio Código Civil vigente.

Isso considerado, é prudente que, por maiores que sejam os transtornos a serem enfrentados para que os contratos sociais sejam adaptados à nova legislação, vale a pena lançar-se nessa tarefa, sob pena de, como se tentou demonstrar, ter o empresário que se ver às voltas com problemas ainda maiores.

Zulmar Neves Advocacia