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11.08.2011

A distribuição desproporcional de dividendos nas sociedades por ações

Ao decidir pelo exercício de alguma atividade econômica, os empresários optam predominantemente por dois dos tipos societários existentes em nossa legislação, quais sejam: sociedade por ações ou sociedade limitada.

Este artigo não tem como escopo adentrar nas diferenças existentes entre estas duas espécies de sociedade, mas tão somente demonstrar a viabilidade da distribuição desproporcional de dividendos nas sociedades anônimas.

O Código Civil, diploma regulador da sociedade limitada, prevê a possibilidade de esse tipo societário adotar a distribuição desproporcional de lucros sem guardar proporção com a participação no capital social, sendo vedada, no entanto, a exclusão do sócio na participação nos lucros e nas perdas do empreendimento.

Por seu turno, a Lei das Sociedades por Ações, além de vedar a exclusão dos acionistas na participação nos lucros e nas perdas, veda também a distribuição desproporcional dos dividendos, na medida em que estabelece que as ações da mesma classe terão os mesmos direitos.

Atentando-se ao ditame da lei "ações da mesma classe", ressaltamos que as ações ordinárias de companhia fechada poderão ser de classes diversas, em função, apenas, da conversibilidade em ações preferenciais, exigência de nacionalidade brasileira dos acionistas ou direito de voto em separado para preenchimento de cargos de determinados órgãos administrativos. Essas hipóteses são taxativas, não permitindo o legislador a criação de outras categorias para diferenciar as ações ordinárias.

Se de um lado a Lei foi estrita quanto à diferenciação das ações ordinárias em classes (inviabilizando, no mais das vezes, sua aplicabilidade), de outro estabeleceu que a sociedade pode criar ações preferenciais, as quais poderão ser de diferentes classes conforme a vantagem outorgada, sendo certo que o mínimo esta deve consistir: (i) na prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo; (ii) na prioridade no reembolso de capital, com ou sem prêmio; ou (iii) na acumulação destas duas vantagens.

Essas preferências estabelecidas pela Lei são basilares, podendo a sociedade conferir quaisquer outros privilégios, desde que expressamente previstos e especificados no Estatuto Social. Sendo assim, poderão existir, na mesma sociedade, ações ordinárias e ações preferenciais e, dentre as preferenciais, diferentes classes (A, B, C, por exemplo), prevendo diferentes direitos, observado que, caso essas ações não possuam direito de voto, ou estejam sujeitas à restrição no exercício deste direito, o número de ações preferenciais não poderá ultrapassar 50% (cinquenta por cento) do capital social.

Sendo assim, mesmo não sendo possível a distribuição desproporcional de dividendos na sociedade anônima, a emissão de ações preferenciais, dentro dos limites legais, e a consequente instituição de classes dentro desta espécie, acomoda os diferentes interesses que compõem a esfera societária.

Nesse particular, é importante afastar o senso comum de que às ações preferenciais não são atribuídos direitos políticos. Na realidade, as ações preferenciais são detentoras, no princípio, dos exatos mesmos direitos das ações ordinárias, somados a uma preferência. O diferenciador desta espécie de ações, além da preferência, está em que as ações preferenciais podem, somente ‘podem' e não ‘devem', estar sujeitas à ausência de direito de voto ou à restrição dele. Portanto, a restrição ao direito político às ações preferências não pode ser alegada como motivo para não instituição desta espécie de valor mobiliário. Às ações preferenciais podem ser atribuídos os mesmos direitos de voto atribuídos às ações ordinárias, se assim desejarem os acionistas.

Por outro lado, o mesmo resultado pode ser alcançado com a criação e emissão, gratuita ou onerosa, de partes beneficiárias, que são títulos negociáveis, sem valor nominal e estranhos ao capital social, os quais conferem a seus titulares direito de crédito eventual contra a companhia, consistente na participação de até 10% (dez por cento) nos lucros líquidos anuais a serem distribuídos aos acionistas, durante prazo a ser fixado pela companhia, observadas as restrições legais quanto a este particular.

Isto é, poderão ser conferidas partes beneficiárias para determinados acionistas para que, além dos dividendos inerentes às ações por eles detidas, tenham direito de recebimento de até 10% (dez por cento) do lucro líquido anual.

Note-se que, diferentemente das ações preferenciais, as partes beneficiárias não compõem o capital social, sendo vedada a conferência de qualquer direito privativo de acionista, como, por exemplo, o direito de voto.

Como se vê, em que pese a vedação legal de distribuição desproporcional de lucros nas sociedades anônimas, existem meios de se chegar ao fim pretendido utilizando-se instrumentos disponibilizados pela própria legislação societária, precedendo a aplicabilidade deles de análise ao caso concreto, sem prejuízo da criação de outras estruturas que melhor atendam ao interesse acionário.

Sillas Battastini Neves