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20.03.2007
As Multas nas Operações de Importação
A Lei nº 10.755, de 3 de novembro de 2003, revogou a Lei nº 9.817/99. É a lei atualmente vigente para a regulação das multas nas operações de importação.
De acordo com o artigo 1º da referida legislação, o importador fica sujeito ao pagamento de multa a ser recolhida ao Banco Central do Brasil nas importações com Declaração de Importação - DI, registrada no Sistema Integrado de Comércio Exterior - Siscomex, quando: I - contratar operação de câmbio ou efetuar pagamento em reais sem observância dos prazos e das demais condições estabelecidas pelo Banco Central do Brasil; ou II - não efetuar o pagamento de importação até cento e oitenta dias a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao previsto para pagamento da importação, conforme consignado na DI ou no Registro de Operações Financeiras - ROF, quando financiadas.
Tanto a lei nº 9.817/99, como a lei que a sucedeu, 10.755/03, no artigo 2º, dispuseram quanto os casos em que a multa administrativa não se aplica:
I - aos pagamentos de mercadorias embarcadas no exterior até o dia 31 de março de 1997, inclusive; II - aos pagamentos de importações de petróleo e derivados especificados pelo Banco Central do Brasil; III - aos pagamentos de importações efetuadas sob o regime de drawback e outros estabelecidos em ato do Ministro de Estado da Fazenda; IV - às importações cujo saldo para pagamento seja inferior a US$ 10,000.00 (dez mil dólares norte-americanos) ou o seu equivalente em outras moedas; V - aos pagamentos de importações de produtos de consumo alimentar básico, visando ao atendimento de aspectos conjunturais do abastecimento, conforme dispuser ato do Ministro de Estado da Fazenda; VI - às importações, financiadas ou não, cujo pagamento seja de responsabilidade da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, suas fundações e autarquias, inclusive aquelas importações efetuadas em data anterior à publicação da Lei; e VII - aos valores apurados na forma desta Lei inferiores a R$ 1.000,00 (um mil reais).
Uma das questões que merecem atenção é a relativa às importações cujo saldo de pagamento seja inferior a dez mil dólares norte-americanos.
O importador deve observar a legislação atinente à matéria, pois o que se verifica nas notificações expedidas pelo BACEN é a cumulação de dispositivos legais, quando a operação de importação esteja maculada por qualquer das questões infracionárias disciplinadas por lei.
Isso ocorre porque a redação da Lei nº 9.817/99, no art. 2º, inciso V, ressalvava a não aplicação de multa para os saldos inferiores a US$ 10,000.00, desde que esses valores também fossem inferiores a 10% do valor total da importação.
No entanto, a ressalva não foi repetida pela Lei nº 10.755/03 e não há qualquer lógica na interpretação cumulativa dos dispositivos das referidas legislações.
Em casos específicos, através de pareceres administrativos, o BACEN tem entendido que as disposições legislativas são aplicadas cumulativamente.
Não bastasse esse erro hermenêutico do BACEN, uma vez que uma lei revogada não mais integra o mundo jurídico, é necessário referir que o dispositivo (inciso V, do art. 2º, da Lei nº 9.817/99) não foi repetido pela Lei nº 10.755/03.
Atualmente, portanto, não são aplicáveis multas administrativas nos valores pendentes em declarações de importação, cujo saldo seja inferior a US$ 10,000.00.
A norma, no entanto, dispõe que o regime mais benéfico por ela aplicado não retroagiria para beneficiar os importadores, de acordo com a redação do art. 4º.
Juridicamente é inegável que Lei nº 10.755/03 deva ser aplicada inclusive para as operações de importação anteriores à sua vigência. Isso decorre da interpretação constitucional que refere o consagrado Princípio da Retroatividade da Lei Mais Benéfica, no art. 5º, inciso XL.
Diante do inegável caráter punitivo da multa imputada pelo BACEN, parece claro que a Lei nº 10.755/2003 incorreu em grave inconstitucionalidade ao dispor expressamente, em seu artigo 4º, que o regime mais benéfico por ela previsto não retroagiria para beneficiar os importadores, pois contraria frontalmente o inciso XL, do artigo 5º da Constituição Federal.
Tendo em vista o deslize, utilizando-se de eufemismo do legislador ordinário, as autoridades administrativas e judiciais, devem levar a retroatividade benéfica em consideração.
A aplicação da Lei nº 9.817/1999 nos casos concretos, além de representar a aplicação de lei revogada da esfera jurídica, implica flagrante desvio de finalidade da multa por inobservâncias das regras de importação, motivo pelo qual o próprio Poder Legislativo reconheceu a falácia da multa diária sob a modalidade de encargo financeiro e editou a Lei nº 10.755/2003.
Outra questão de extrema relevância é a forma de apuração do cálculo da multa administrativa. A Lei nº 10.755/03, em seu art. 1º, § 2º assim disciplinou:
"(...) § 2º. A multa de que trata o caput será aplicada pelo Banco Central do Brasil na forma, no prazo, no percentual e nas demais condições que vier a fixar, limitada a cem por cento do valor equivalente em reais da respectiva importação (...)"
O texto legal estabelece um teto para a multa, que fica limitada a 100% do valor equivalente em reais da importação, o que não era previsto na legislação revogada.
Percebe-se que houve avanço na limitação e delineação de regras na aplicação das multas na lei em vigor, fato que, ao contrário, não ocorria quando da vigência da Lei 9.817/99.
Entretanto, em muitos casos, mesmo diante da existência do teto legal de 100% para o BACEN proceder à autuação das empresas importadoras, pode haver abusos por parte do Poder Público - razão pela qual se deve buscar a proteção dos direitos na via administrativa e judicial para minimizar ou, até mesmo, excluir por completo as multas.
A autorização legal para que o Banco Central aplique as multas sobre as importações das empresas, mesmo limitada a 100% do valor dessas operações, necessita ser avaliada de forma a minimizar a forma de atuação, muitas vezes arbitrária, nas questões relativas à área cambial.
Mas, ainda assim, o novo texto legal conserva algumas impropriedades constitucionais, tais como o desrespeito ao Princípio da Isonomia, pelo fato de que alguns setores da economia não são alvo da aplicação das pesadas multas, especialmente os órgãos da administração pública direta e indireta, petróleo e derivados, parte da indústria de alimentos, dentre outros.
Nesse sentido, muitas vezes, a apreciação dessas questões deve ser submetida ao Poder Judiciário, pois os valores arbitrados muitas vezes são absurdos, se analisada a situação das importações e o faturamento anual de muitas empresas importadoras.
A decorrência desse fato é que há muito é noticiado que os cálculos das multas administrativas do BACEN obedecem critérios diversos e bastante complexos.
As fórmulas para este cálculo estão discriminadas na Consolidação das Normas Cambiais do BACEN, no Capítulo 6 (Importação), Título 5 (Multa Diária sobre Operações de Câmbio). O valor da multa, dependendo da data da importação, é atualizado com base nas Letras do Banco Central ou na taxa pré-fixada de empréstimo para capital de giro (sendo que também é considerada a variação da taxa de câmbio).
Como as multas são diárias, os valores chegam a somas astronômicas.
A doutrina administrativa nacional, como a estrangeira, admite e defende a aplicação do princípio da razoabilidade (proporcionalidade) relacionado a penas administrativas, o qual encontra respaldo constitucional.
Se avaliadas todas as situações que norteiam a cobrança das referidas multas é possível aplicar uma redução substancial nos valores arbitrados pelo BACEN e quiçá argüir a inexistência da exigência, em especial se a aplicação da multa for sopesada perante o princípio da proporcionalidade da pena.
Zulmar Neves Advocacia
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