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30.03.2016

Modulação de efeitos nas decisões de inconstitucionalidade em matéria tributária

A doutrina clássica sempre sustentou que uma norma inconstitucional está viciada pela mácula da nulidade desde sua criação, não podendo produzir efeitos jurídicos válidos. Nessa sistemática, os efeitos produzidos pela norma inconstitucional são anulados desde sua edição. É a chamada eficáciaex tuncdas decisões judiciais, as quais possuem efeitos retroativos.

Contudo, atualmente essa tendência está sendo revista em diversos países, no sentido de mitigar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, para reconhecer que a norma declarada inconstitucional, em alguns casos, possa produzir efeitos.

Em nosso ordenamento jurídico essa tendência restou consolidada com a edição da Lei n.º 9.868/1999, que no seu art. 27 assim define:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica e excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado,

Como se verifica do dispositivo legal acima colacionado, atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, os efeitos da decisão de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal podem ser manipulados, criando-se o que alguns doutrinadores chamam de inconstitucionalidade constitucional ou inconstitucionalidade útil.

A inconstitucionalidade é dita útil, pois, durante certo período de tempo, a norma sabidamente inconstitucional produziu efeitos e, portanto, trouxe receita para os cofres públicos, sendo útil à administração pública.

A justificativa para a modulação de efeitos em matéria tributária é sempre a mesma: o rombo nos cofres públicos que a restituição integral a todos os contribuintes atingidos pela norma inconstitucional iria gerar, o qual acarretaria graves prejuízos às politicas públicas.

Ocorre que o simples fato da repetição do indébito gerado pela norma inconstitucional representar um grande impacto negativo nas contas publicas não é razão suficiente para que se admita que uma norma em desacato à Constituição Federal validamente atinja o patrimônio dos contribuintes.

Isso porque estaria se permitindo a cobrança de tributo, que se caracteriza pela expropriação forçada do patrimônio do contribuinte mediante exercício do poder estatal, sem obediência às limitações constitucionais ao poder de tributar.

Em outras palavras, a permissão da modulação de efeitos em matéria tributária acaba, em última instância, por afastar uma série de garantias que a Constituição assegura aos contribuintes, para evitar que esses tenham seu patrimônio invadido pelo poder público estatal.

Contudo, felizmente, no recente julgamento do Recurso Extraordinário n.º 559.937, no qual, por unanimidade, foi declarada a inconstitucionalidade da inclusão na base de cálculo do PIS-Importação e da Cofins-Importação dos valores referentes ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e das próprias contribuições, uma vez que tal inclusão ultrapassava os limites do conceito de valor aduaneiro, o plenário do Supremo Tribunal Federal rechaçou, por unanimidade de votos, o pedido formulado pela Fazenda Nacional para modulação dos efeitos dessa decisão.

Trata-se de importante precedente que reafirma o entendimento de que a Fazenda Nacional não pode se eximir da responsabilidade de restituir aos contribuintes os valores recolhidos indevidamente em razão da Lei declarada inconstitucional, afastando, portanto, o falso argumento da proteção ao interesse público como justificativa para o desrespeito à Constituição Federal e, sobretudo, às garantias constitucionais asseguradas aos contribuintes.

Espera-se que esse entendimento seja mantido e consolidado no plenário do Supremo Tribunal Federal, a fim de que a modulação de efeitos em matéria tributária seja utilizada com a cautela que a matéria exige, respeitando-se os direitos e garantias fundamentais dos contribuintes.

Gustavo Neves Rocha