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11.08.2016
Precedente jurisprudencial dado à redação do Código Civil sobre o direito sucessório do cônjuge sobrevivente casado pelo regime da separação convencional de bens
Com o advento do Novo Código Civil, alterado pela lei n.º 10.406, em 10 de janeiro de 2002, como é sabido, houve a inclusão do cônjuge sobrevivente na condição de herdeiro necessário e diferenciação na sucessão, levando-se em consideração o regime de bens adotado pelo casamento.
A exceção na forma de suceder à herança do falecido foi direcionada ao cônjuge sobrevivente, casado pelo regime da comunhão universal de bens e separação obrigatória de bens, conforme reza o artigo 1.829 do referido diploma legal, que assim dispõe:“A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares (...).”
No caso da exceção em face do casamento pelo regime da separação de bens, a interpretação então havida se dava considerando somente a separação legal, à luz do que dispõe o art. 1.641, ao definir a obrigatoriedade de casamento pelo regime da separação de bens (i) das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento, (ii) da pessoa maior de sessenta anos e (iii) de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Com efeito, o entendimento sempre foi no sentido de que o regime de casamento convencional de bens (art. 1.687), ou seja, aquele eleito pelas partes e não o imposto pela circunstância dos cônjuges, não estaria sujeito à exceção contida no art. 1.829, de modo que o cônjuge sobrevivente casado por este regime herdaria juntamente com os demais herdeiros, sendo elevado à condição de herdeiro necessário.
No entanto, esse entendimento vem sendo refutado, com base em precedente do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n.º 992.749/MS, em 1/12/2009, em que a Relatora Ministra Nancy Andrighi proferiu decisão consubstanciada no entendimento de que inexiste direito sucessório ao cônjuge sobrevivente casado pelo regime da separação de bens, seja a legal ou a convencional, pois defende a tese de que a separação obrigatória é gênero, que engloba as demais como espécie.
Assim delineou que“não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário.”
O entendimento formado nesse sentido tem por fundamento a ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime matrimonial de bens, prevista pelo Direito Patrimonial de Família, não podendo ser desprezada pela imposição da normatização do Direito das Sucessões, uma vez que o evento sucessório“traduz a continuação da personalidade do morto pela projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos em vida”,pois, sendo um ato de liberdade conjuntamente exercido, não pode sofrer limitações pelo evento sucessório.
Parece-nos louvável e defensável este posicionamento, que segue além da mera leitura dos termos do dispositivo legal e analisa dentro do contexto do sistema jurídico, interpretando em harmonia com os demais que estão afetos ao tema, em observância aos princípios e diretrizes teóricas, em especial, a dignidade da pessoa humana, a livre manifestação da vontade, pela autonomia privada e da autorresponsabilidade, a confiança legítima, de onde surge a boa-fé e, não menos importante, a eticidade, um dos seus princípios de sustentação, delineando a norma jurídica.
Uma vez que não forem observados os princípios norteadores, estar-se-á diante da alteração do regime matrimonial de bens após a morte, permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do cônjuge falecido, patrimônio que recusou deliberada e por vontade própria quando do casamento antecedido pelo pacto de separação de bens, afastando-se da boa-fé objetiva, lealdade e honestidade na conduta, da qual não pode se esquivar.
Concluindo na formação desse entendimento, para o qual nos rendemos pactuando, não se pode permitir a interferência, ainda que do Estado, nas opções feitas de forma lícita em relação aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais, reconhecendo que a única interpretação aceitável é a que assegura a preservação da autonomia privada e os conhecidos efeitos do regime de bens escolhido.
Marta Regina Barazzetti e Aldrey de Oliveira Machado Paschoali
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