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14.12.2010

A atual modificação na aplicação das astreintes

Atualmente, seguindo a tendência que já está sedimentada em nosso ordenamento jurídico, os julgadores cada vez mais se utilizam de multas para compelir alguma das partes do processo a cumprir uma obrigação determinada relativa ao processo judicial.Tal multa, prevista no Código de Processo Civil em seu art.461, é o que chamamos de astreinte, que nada mais é que multa pelo descumprimento de ordem judicial.

O conceito de astreinte é impregnado por uma essência de intimidação. Como dito, é, a rigor, a multa lançada contra o inadimplente obrigacional, compelindo-o a cumprir determinado comando proveniente de decisões judiciais, não substituindo, contudo, o dever de cumprimento.

Trata-se de instrumento destinado a induzir o devedor a cumprir o mandado, não possuindo caráter ressarcitório ou compensatório. Enquadra-se entre as medidas coercitivas que objetivam o exato cumprimento do ordenado.

Assim, é plenamente visível a índole de persuasão das astreintes, que objetivam compelir a execução obrigacional. Em princípio, não há limitação para a fixação de multa, e sua imposição deve ser de valor elevado, para que iniba o devedor com intenção de descumprir a obrigação e persuadi-lo de que é muito mais vantajoso cumpri-la do que pagar a pena pecuniária.

No entanto, parcela significativa da doutrina e da própria jurisprudência entende que ela não pode ultrapassar o valor da causa, porque isto poderia implicar enriquecimento injusto do credor.

Por vezes, obrigações são submetidas às astreintes, mas, mesmo assim, não são cumpridas. Nesses casos, a multa que visava compelir o devedor a cumprir determinada obrigação transforma-se em verdadeiro título de crédito, muitas vezes com valor muito elevado, forçando o magistrado, no caso concreto, a viabilizá-las, impondo diminuição do valor devido (a título de multa), a fim de evitar possível enriquecimento sem causa.

Por muito tempo foram verificadas inúmeras decisões dos mais diversos tribunais dos estados brasileiros, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de reduzir o valor imposto, a título de astreinte, para evitar o suposto enriquecimento ilícito da parte, sob a justificativa de que a multa imposta não tem o condão de indenizar, mas apenas de coagir o obrigado ao cumprimento da determinação judicial.

Assim, face a possibilidade de revisão da astreinte, que é amplamente difundida em decisões judiciais, há verdadeiro fomento ao descumprimento das decisões judiciais, uma vez que, em que pese tenha efetivamente ocorrido o descumprimento, muitas vezes voluntário, da determinação judicial, não haverá necessidade do pagamento da multa imposta no montando fixado, que é consideravelmente reduzido.

Entretanto, no âmbito das Turmas Recursais do Juizado Especial do Rio Grande do Sul, levando em consideração a possibilidade de as multas em valor elevado gerarem o enriquecimento sem causa de uma das partes e, em contrapartida a de valor ínfimo não surtir o efeito coercitivo almejado para compelir a outra parte ao cumprimento da determinação judicial, os julgadores, em busca de um "termo médio", visando assegurar a efetividade da medida e evitar injustiças, lançaram uma nova alternativa, a da manutenção do valor da multa, independentemente de o montante ser elevado ou não, e o recolhimento da parcela que poderia configurar um enriquecimento ilícito da parte ao FECON - Fundo Estadual de Defesa do Consumidor.

Tal decisão vem causando divergência de opiniões. Alguns entendem que o valor de multa deve ser destinado à parte prejudicada pelo descumprimento da decisão judicial que deu azo à sua aplicação, uma vez que o FECON seria parte estranha ao processo. Outros mantêm o mesmo pensamento anterior, de que deve haver proporção entre o valor da multa e o atribuído à causa.

Entretanto, a supracitada tendência pode se proliferar, ampliando sua aplicação fora do âmbito dos Juizados Especiais, ou continuar limitada a estes, mas, o que é certo é que agora é de conhecimento de todos que a exigência do cumprimento das decisões judiciais permanecerá a mesma, porém, em caso de descumprimento, não há mais garantia de redução do valor de multa como outrora acontecia.

Filipi Dornelles Angeli